Mulheres Negras

A professora Fátima Silva comenta sobre seu trabalho com seus alunos:
'Paralelo ao Projeto do Dia da Consciência a Negra, do colégio “Personalidades Negras” procurei adequar o conteúdo de geografia da 6ª série com o tema Diversidade da população brasileira, onde estudamos as etnias responsáveis pela formação do povo brasileiro destacando “A mulher negra na sociedade brasileira” para que eles possam entender o papel da mulher na sociedade, perceber a importância da mulher na formação socioeconômica do nosso país e compreender as transformações que vem ocorrendo com a valorização da mulher negra na nossa sociedade'.

A mão da Limpeza
                                                                               Composição: Gilberto Gil



Iniciei nossa WebQuest com esse vídeo 'A Mão da Limpeza' onde o autor fala sobre um tema que continua sendo discutido em nossos dias e por ser interessante para reflexão. 
Os comentários do mesmo sobre a música faz parte do tema sobre o dia da Consciência Negra e em consequência sobre as "MULHERES NEGRAS":
"Eu fiz A Mão da Limpeza para repor certas coisas no lugar e remendar um preconceito histórico contra os negros; para responder, no mesmo tom, um desaforo - o velho ditado: 'Negro, quando não suja na entrada, suja na saída.'
"Ocorriam-me imagens de lavadeiras lavando roupa nas beiras de rios, inúmeros, por que eu passei no interior da Bahia e outros lugares; de cozinheiras negras, jovens e velhas, espalhadas pelas cozinhas do Brasil; de várias faxineiras limpando as casas. Ocorria-me com muita nitidez o quão acionados e quão importantes são os negros para o trabalho de limpeza em geral que é feito na vida, e também com tamanha nitidez o quão sujadores são exatamente os que têm mais recursos, os mais ricos, os mais beneficiados da sociedade que, em sua grande maioria, correspondem à classe mais clara, a faixa mais branca.
"Quer dizer, os negros são tão maciçamente empenhados na função da limpeza da comunidade e acabam sendo acusados de ser os sujões. No fundo, o provérbio tem uma conotação nitidamente moral, além de física; o que se tenta considerar como sujo no negro é sua existência, sua pessoa, sua condição humana. Nesse sentido é muito mais terrível, e a música nem alcança a dimensão da crítica disso; ela apenas toca nisso.
"Mas jogando a sujeira como algo produzido preferencialmente pelos brancos, ela faz a limpeza da nódoa que quiseram impor aos negros. E deixa implícita também uma condenação moral aos brancos. Ou seja: 'Sujos na verdade são vocês, de corpo e alma; pelo menos, mais sujos que os negros vocês são. Há muito mais sujeira a apurar ao longo do processo da civilização de vocês do que da nossa.' É o que a música diz. E ela diz o que tem a dizer, com contundência e eficácia."


A mulher negra - Texto utilizado no trabalho 

Publicado: 21/03/2010 por Revista Espaço Acadêmico em colaborador(a)   por  MARIA NILZA DA SILVA
A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.
A mulher negra ao longo de sua história foi a “espinha dorsal” de sua família, que muitas vezes constitui-se dela mesma e dos filhos. Quando a mulher negra teve companheiro, especialmente na pós-abolição, significou alguém a mais para ser sustentado. O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de quatro séculos, colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que passou a viver na miséria, sem trabalho, sem possibilidade de sobrevivência em condições dignas. Com o incentivo do governo brasileiro à imigração estrangeira e à tentativa de extirpar o negro da sociedade brasileira, houve maciça tentativa de embranquecer o Brasil.
Provavelmente o mais cruel de todos os males foi retirar da população negra a sua dignidade enquanto raça remetendo a questão da negritude aos porões da sociedade. O próprio negro, em alguns casos, não se reconhece, e uma das principais lutas do movimento negro e de estudiosos comprometidos com a defesa da dignidade humana é contribuir para o resgate da cidadania do negro.
A pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não podemos deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do racismo há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional.
Embora o contexto adverso, algumas mulheres negras vivem a experiência da mobilidade social processada em “ritmo lento”, pois além da origem escrava, ser negra no Brasil constitui um real empecilho na trajetória da busca da cidadania e da ascensão social. Bernardo (1998), em seu trabalho sobre a memória de velhas negras na cidade de São Paulo, mostra como é difícil a mobilidade ascensional da negra – especialmente na conquista de um emprego melhor, pois a maioria das negras trabalhava na informalidade, ou como empregadas domésticas.
As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho despendem uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas provavelmente pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da realização da maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a competência profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem maiores esforços para a conquista do ideal pretendido. A questão de gênero é, em si, um complicador, mas, quando somada à da raça, significa as maiores dificuldades para os seus agentes.

Paul Singer (1998) afirma que, à medida que a mulher negra ascende, aumentam as dificuldades especialmente devido à concorrência Em serviços domésticos que não representam prestígio não há concorrência e conseqüentemente as mulheres negras têm livre acesso e é nesse campo que se encontra o maior número delas. A população negra trabalha, geralmente, em posições menos qualificadas e recebe os mais baixos salários.

A mulher negra, portanto, tem que dispor de uma grande energia para superar as dificuldades que se impõe na busca da sua cidadania. Poucas mulheres negras conseguem ascender socialmente. Contudo, é possível constatar que está ocorrendo um aumento do número de mulheres negras nas universidades nos últimos anos. Talvez a partir desse contexto se possa vislumbrar uma realidade menos opressora para os negros, especialmente para a mulher negra.
Contudo, cabe ressaltar a experiência de mulheres negras na luta pela superação do preconceito e discriminação racial no ingresso no mercado de trabalho. Algumas mulheres atribuem a “façanha” da conquista do emprego do sucesso profissional a um espírito de luta e coragem, fruto de muito esforço pessoal, e outras ainda, ao apoio de entidades do movimento negro.
Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento, ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da sociedade.
A discriminação racial na vida das mulheres negras é constante; apesar disso, muitas constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.

- Professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e Doutora pela PUC/SP. Publicado na REA, nº 22, março de 2003, disponível em